sábado, 27 de março de 2010

Viva em paz

Foto: Helder Mendes

Sorrisos e gargalhadas que contagiam as pessoas. O silêncio que representa tristeza, ou doença ou a dor de não ter mais presente aquela sensação gostosa de uma criança por perto. Umas muito amadas, desejadas e esperadas. Outras, desaparecidas ou perdidas pelas ruas, orfanatos ou sabe Deus onde estão. Há ainda as que já se foram, não por vontade própria e acredito eu, nem por vontade do Pai. Seus sorrisos são apagados, pra sempre retirados da vida. Quem já viveu com uma criança sabe o quão anjos elas parecem ser, ainda que sejam agitadas e peraltas. Sinônimo de esperança, de continuidade da vida. São a certeza de que no futuro, tudo poder ser diferente e melhor. A dor de não tê-las por perto, principalmente quem as teve, não se apaga junto com seu sorriso. Pelo contrário, começa ali. E é tamanha, tamanha, que se comove com a dor dos outros, num movimento solidário que acorrenta pessoas de todos os lugares, de todas as nações e nacionalidades para um mesmo propósito, uma mesma comoção. As crianças são o que há de mais puro num mundo tão cheio de maldade. As vezes, maldade que vitimiza estas crianças e as levam antes da hora para junto de Deus que lhe deu a vida. Isabellas, Thiagos, Daniellas, Pedros e tantas outras que se foram cedo demais. O movimento solidário que se cria em torno destes sorrisos silenciados é triste ao mesmo tempo bonito de se ver. É uma sede de justiça, um clamor pela esperança, um grito de socorro. Cada caso que se resolve, de cada uma destas pessoas, é como se resolve dentro de cada um dos que sofrem, um pouquinho da justiça que clamam, embora isto não acabe com a dor, mas minimize o sofrimento que ela causa. São pais, amigos, jovens, velhos, pessoas que ainda esperam por uma vida mais justa, por pessoas mais honestas e verdadeiras, por uma justiça além da divina. Cada caso, como Isabella, concluído, alivia a dor de tantos outros que ainda não se resolveram. Gera esperança para os que ainda esperam por um reencontro, por um cuidado, pela justiça. Dorme em paz, onde estiver. Sorria, sinta o sabor do vento em seu rosto que agora, onde estiver, está em paz. Vá até aquelas crianças cujos pais ainda sofrem e os abrace. Faça ciranda com eles, cantem um louvor e transbordem a felicidade que é pra ver se aqui embaixo, possamos dormir um pouco mais tranquilos e viver em paz.


sexta-feira, 19 de março de 2010

Quietude necessária

Foto: autor desconhecido

Que me deixe quieta, que quietude é armazenamento de energia e força. Em dias assim, não me venha com festas, gritos e euforia. Seja manso e permissivo com a minha vontade de estar comigo mesma. Não que eu seja má companhia, nem você. É que as vezes é necessário estar mais perto de mim, no silêncio e na ausência dos outros. Só assim consigo me ver melhor, conviver comigo mesma. É quando descubro o que realmente quero, quem eu sou e o que pretendo fazer daquilo que sou. A quietude é o preenchimento do vazio que muitas vezes só a gente mesmo consegue preencher. É preciso autopercepção para que se tenha autoconhecimento. Então, em dias assim em que eu estiver quieta, entenda a minha calmaria. Ela é necessária para que eu esteja pronta para interagir com os outros, com o mundo inteiro se preciso for. Depois destes instantes, estarei pronta para me dar a vida, da melhor maneira que alguém pode dar.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Não envelhece nunca

Foto: Marta Bucher

Dizem por aí que o amor não envelhece. Passei muito tempo da minha vida sem entender como isto podia acontecer. Cheguei a acreditar que amores não envelheciam por morrerem antes da idade chegar. Outras vezes, achava que ele se transformava, ao longo do tempo, em uma amizade eterna e duradoura, mas aí não era amor, era a amizade que durava no tempo. Cheguei a pensar as mais diversas coisas, fruto da minha observação dos amores mais idosos. Não consegui respostas. Daí, chegou a hora de ir atrás do meu amor, mas nenhum me trouxe respostas diferentes das suposições que moravam na minha cabeça. Até que um dia, amei. E os dias foram passando e este amor não passava. Se instalou na minha vida de uma maneira diferente dos amores que eu via ou imaginava ter vivido antes. Se é que vivi. A cada dia, este mesmo amor, com mesmo nome e sobrenome, valente, permanecia dentro de mim. Andava comigo para onde quer que eu fosse. Sozinha, distante, longe, perto. Ele sempre estava aqui comigo. Mas nunca era o mesmo. Todos os dias, numa capacidade impressionante, ele se transformava. Renovava suas forças e energias e era um amor novo. Um olhar de quem vê pela primeira vez. Um amor feito como a primeira vez. O coração batendo como aquele dia, do primeiro beijo. Os mesmos arrepios que não passaram com o tempo. Mais que isto, se espalhavam pelo meu corpo como um amor que não pudesse caber mais em mim. Transborda, renova, vive. O amor não envelhece, agora eu sei. Não porque morre antes de ser velho, mas porque não se permite velho por ser amor. O amor é feito adolescente, puro como criança e determinado como um adulto que sabe onde quer chegar. Quando pequena, mesmo que não imaginava que isto fosse assim tão possível, era esta a minha tradução do amor. E foi este amor que traduziu em mim o que ele realmente é.


quarta-feira, 17 de março de 2010

Excesso é limite

Foto: autor desconhecido

"...o excesso de gente impede de ver as pessoas".

(Mário Quintana)


segunda-feira, 15 de março de 2010

Celebração do ciclo...

Quando um ciclo se fecha, outro se abre. Um processo contínuo de aprendizado. Viver é esta constante o tempo todo. Seguir em frente e adiante. Cumprir a missão de ser alguém, não qualquer pessoa. Quando um ciclo se fecha, outra recomeça em seguida. E aí é caminhar para uma nova empreitada. A vida é esta jornada que não tem fim. Nem quando termina. Um eterno recomeçar, um eterno aprendizado. A vida é desafio, é coragem. É o que espera de nós. Nada, nada é em vão. Tudo vale a pena. Basta um olhar atento, uma percepção mais apurada. Como um ciclo que se renova, sem se repetir. Nunca é igual, há sempre algo diferente. Uma oportunidade de corrigir os erros, de alcançar vitórias. Os ciclos servem para isto. São para os que não têm medo de viver uma vida com início o tempo todo, sem pressa de chegar ao final.

sábado, 13 de março de 2010

Como uma brisa leve

Foto: autor desconhecido

A leveza da alma é a leveza do ser. Ser leve independe do peso que o corpo carrega. É a pluma que a alma leva. O leve bem-estar. A alegria leve que nos leva a sorrir das pequenas coisas. O olhar leve para o cuidado do outro. A leveza de estar onde se quer estar. A leveza de aceitar as coisas. A crença na leveza da vida. O andar leve que nos leva aonde queremos chegar. Porque o peso não nos leva, nos prende e aprisiona. A leveza não, suavemente nos guia para os nossos anseios, sem nenhuma ansiedade. Leveza é não ter pressa, é ter certeza. É seguir no seu ritmo, tranquilo e sem preocupações. A fé é leveza. Uma leveza que nos torna possíveis num mundo de impossíveis o tempo todo. A leveza amplia as amizades, aproxima pessoas. Torna os lugares mais belos, tudo mais interessante. Leveza é se soltar pra vida. Ser leve é estar solto, sem amarras. Se jogar nas coisas, não pulando ou saltando, mas libertando o corpo e a alma para o que tiver que ser. Leveza é crença na gravidade, segurança sem cobranças e preocupações. Ser leve como a pluma, como a brisa do mar calmo. Como o vento que sobra nos cabelos e balança os coqueiros de uma Bahia sem pressa. Ser leve é como um parapente sob o ar, nas montanhas de uma Minas pacata e tranquila, cheia de histórias pra contar. É não ver a hora, despertar quando tiver que ser. Ser leve é deixar a vida te levar, sabendo sempre onde se quer chegar.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Autenticidade

Foto: Carla Sousa
"Pouco importa o julgamento dos outros. Os seres são tão contraditórios que é impossível atender às suas demandas, satisfazê-los. Tenha em mente simplesmente ser autêntico e verdadeiro".
Dalai Lama

Viver em paz



















Foto: Felipe Pierre


A paz sai do casulo. Num dia tranquilo, macio como as nuvens que somem do céu. Tomam os verdes, o colorido das flores e o vermelho dos corações puros. A paz sai de mansinho, vai tomando os espaços como dentes de leão flutuando pelo ar. Leve, solta e suave. A paz preenche os vazios, ocupa as lacunas de uma vida sem sentido. Alegra os tristes, liberta os oprimidos. A paz quebra barreiras, amplia sensações. Ela nasce nos detalhes da vida, nas minúcias da delicadeza. A paz é uma grandiosa pequenez capaz de realizar grandes coisas. É como uma planta rara que brota em meio a um campo esquecido. Um botão, ainda fechado, que jamais passa despercebido a qualquer olhar. A paz é um sopro de Deus no coração dos inquietos. A paz é a cura da ansiedade, a esperança da depressão. Em paz, seguem os que a têm. Sem paz, não há nada que se possa fazer e com ela tudo tem mais chance de acontecer.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Coragem

Foto: Maritaa

Coragem não é suportar a monotomia, é superar a mesmice. Coragem não é permanecer onde está apesar de todas as coisas, é apesar de todas as coisas sair do lugar comum. Coragem não é se calar, mas principalmente se posicionar no mundo. Coragem não é acomodação, é incomodação e atitude. Coragem é seguir a frente e não tocar o barco. É remar para um lugar definido ainda que não tenha definido o que pretende fazer ao chegar por lá. Coragem não é nadar contra a maré, mas saber usá-la ao seu favor. Coragem é audácia. Superação. Coragem é correr o risco que não corre os covardes. Coragem. Coragem é tudo o que a vida pede, o que ela deseja de nós. Poucos oferecem coragem. A maioria distribui covardias disfarçadas de coragem mal usadas. A coragem é um troféu que se coloca na vitrine e pouco se usa nas decisões do dia a dia. Chama de coragem o que é qualquer coisa que coloca a pessoa numa posição de insistência e persistência, ainda que seja naquilo que não vale a pena insistir. Coragem é positivo, imperativo. Não tem coragem quem não se move ao encontro dela. Coragem é ação, emoção e mobilização. A coragem de um encoraja tantas outras. Coragem, não covardia. Coragem, não acomodação. Coragem que é luta, desafio, persistência nos desejos que se tem. Coragem é movimento. Por isto, mova-se. Salte para o outro lado da vida. Faça diferente daqueles que roubam a coragem de agir. Aja. Seja. Aconteça. A vida só acontece para os corajosos. Todos os outros apenas passam por ela, sem travessias, sobressaltos, alegrias, conquistas e emoções. Passam pela vida, sem viver. Vivem sem ter valido a pena, porque a vida só vale a pena para aqueles que nela depositam coragem.

domingo, 7 de março de 2010

Frente e verso

Foto: Marco Niemi

Tenho dois lados como o frente e verso. Meu avesso e meu direito, embora eu use sempre mais o esquerdo que é pra ser canhota. Ser destra é lugar comum, gosto de ser diferente. Não que me exija diferenciar das pessoas, mas única como sou, acabo por não ser igual a mais ninguém. Não sou igual nem a mim mesma. Tenho meu avesso, que é avesso ou direito dos outros. Sou atrevida por impôr minhas vontades. Fico nervosa com a falta de respeito dos outros. Exijo respeito às minhas crenças e meus valores. São valiosas pra mim as minhas percepções. Gosto do meu avesso, corajoso. Que sai correndo debaixo de chuva, que dá gargalhada no meio da rua, que grita conceitos e é contra pré-conceitos. Engajado, determinado e valente. Meu verso assusta a frente daquilo que sou. Chega impositivo e coloca banca pra calmaria que aparenta em mim. Revira o jogo, derruba os copos, quebra os cristais. Não se importa com nada que seja superficial. A superficialidade das coisas lhe é indiferente. Prefiro o meu verso. Estes que escrevo agora, que me revelam e me despem como uma prostituta que não tem mais nada a perder. Este verso que é avesso a minha vontade de calar, de evitar verdades tão jogadas na cara das pessoas que não se preparam para conhecê-las. Acredito no verso e reverso da vida. Ela é muito mais o que se esconde por trás das aparências do que aquilo que parece ser. Sou aquilo que está por dentro das minhas roupas e etiquetas. Elas não dizem nada sobre mim. Não me conhecem, nem determinam. Não me cantam e nem sussurram. Muito menos gritam ao meu respeito. Sou o que está do lado de dentro, nas costuras mal feitas, nas linhas soltas e nos botões de reserva que se escondem no bolso do casaco. A frente é simplesmente a vitrine. Ela é um convite, mas não dá os preços. Não há preço que pague quem eu sou, embora conviver comigo também tenha lá os seus preços. Diversão, raiva, saudade, alegria, muito riso e bom humor. Uns rompantes que é pra quebrar o gelo. Um gelo que não tem graça se não vai embora, como a neve que só é boa por ser inusitada e rara. Sou única porque sou frente e verso. Me revezo entre os dois lados que é pra não cansar os olhos, nem o corpo. Que é pra ser eu mesma, até o fim.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Liberdade


Falam por aí de uma tal liberdade. Escuto pelos corredores, ouço comentários nas ruas, nos pontos de ônibus. As pessoas falam de liberdade na televisão, discutem liberdade no congresso, estudam em sala de aula. Ouço a liberdade que poucas vezes posso ver. Leio na bandeira do meu estado que prega a liberdade, ainda que tardia. Mineira, acredito no que leio. Falam por aí de uma tal liberdade que virou história. Está nos livros. Mas não vejo tanta liberdade nos olhos dos cultos. Vejo na simplicidade que segue no olhar daqueles que pouco lêem e muito vivem. Liberdade estudada, não é liberdade alcançada. Liberdade sonhada, nem sempre é realizada. Ser livre é escolha, fruto de decisão. Escravizados somos se assim permitirmos ser. Estamos alforriados desta vida amarrada num cotidiano monótomo e sem o menor sentido. Permanecemos nele o tempo que quisermos fazê-lo durar. A prisão está para aqueles que se fazem prisioneiros das más escolhas, dos maus costumes e hábitos. Acomodação aprisionada. Assim como a preguiça, a monotomia, o conforto. Liberdade é para os corajosos, requer correr riscos o tempo todo. Liberdade é um risco que se deve correr para chegar a algum lugar além do que podemos ver. Além dos limites, da visão, da situação. Falam por aí desta liberdade poética, mas nada prática. E de tanto ouvir falar dela, resolvi buscá-la além das páginas que já cansei de ler e reler. Busco a liberdade do lado de fora do conforto. Não me basta a segurança se não houver nela a liberdade de ser quem eu sou. Liberdade é se permitir ser o que é, chegar onde se pretende chegar. Não há quem segure os decididos pela liberdade. A liberdade quebra as correntes, solta as amarras da mesmice e acontece para aqueles que ultrapassam aquilo que os olhos podem ver e as mãos parecem não alcançar.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Infância molhada

Foto: Henrique Raminhos
Fazia tempo que não chovia. Minhas lembranças da última chuva foram queimadas pelo calor que ardia o meu corpo. Mal conseguia respirar nos últimos meses. Branco, tornei-me moreno. Pintaram de cinza e preto os meus sonhos de voltar a brincar na água da enxurrada, de jogar pelada com o campo empoçado e morrer de rir do capote que os colegas levavam. As roupas sujas de barro faziam falta pra mim e meu irmão. Menos pra minha mãe, que agradecia as roupas suadas que eram melhores que as marrons de lama. Mas ela, eu sabia, sofria também com a alta temperatura aqui do norte. Sei porque a via cansada, respiração ofegante e lenta. Sei porque a via com a mão no peito por ter subido a ladeira aqui de casa. Eu também passava os dias vestido de bermuda e sem camisa. Meu corpo era coberto pela poeira que o calor soprava quente no meu rosto. A sede é coisa que apertava por aqui. Mas não dava pra matar a sede com a água, porque não era suficiente pra beber. Ou fazia comida ou bebia a água. Melhor não beber que é pra ter como cozinhar no dia seguinte, minha mãe dizia. E todas as noites, ia dormir pedindo a Deus que trouxesse a chuva aqui pra casa. Sei do barranco que podia ceder, das lágrimas que podia causar, mas eu queria mesmo era uma tarde de chuva pra matar a saudade que eu sinto da infância molhada. Meus sonhos estão secos, quebradiços e empoeirados. Deus, com quem eu falo todas as noites, prometeu a chuva que vai regar o meu mundo, meus sonhos e nosso futuro. E hoje, vou dormir em paz, porque sei que a seca que está ali fora já está sendo regada aqui dentro de mim, antes mesmo da chuva cair.