sexta-feira, 30 de abril de 2010

Sopro

" Vou fazendo meu caminho, nada pode me parar,
passos largos vou em frente, não tenho nada a perder.
A vida é um sopro.
Já cansei de ser sozinho, de tentar e não conseguir,
vou lutar com sua força, vou olhar com seu olhar.
Preciso de fôlego.
Se em meio a um furacão pareço estar,
em uma brisa eu ouço a sua voz
a me dizer meu filho, Eu sou contigo e serei.
A vida é um sopro".
(Sopro - Samuel Mizrahy)

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Sapatos vermelhos

Foto: J. Pedro Martins
Sapatos vermelhos sempre me chamam a atenção.
Não sei se mistério, feminilidade ou poder.
Para os bebês, dizem que traz sorte.
Disconfio que não só para eles.

Possibilidades

Foto: J. Pedro Martins
Saiu por aquela porta, sem saber onde ia dar. Estava tudo tão escuro, por tanto tempo, que já não reconhecia as cores. Já não sabia mais da luz. Antes de abrir, exitou. Pensou no mundo de conforto que o escuro traz, no descanso dos olhos. Ao contrário, pensou na ausência das formas, das cores. Luz e sombra, todos têm o seu valor, suas possibilidades. Mas queria experimentar coisas novas, como os jovens costumam querer. Abriu, puxou a porta e viu um mundo completamente novo e diferente. Agora, estava do lado de fora. Não podia mais voltar. Naqueles primeiros segundos, não sabia se havia feito a coisa certa. Saudade da percepção dos sentidos que o escuro nos traz. Agora era hora de reaprender o olhar. Readaptar os sentidos. Parecia cansada, não fisicamente, mas esteticamente cansada. Mas logo saberia o que fazer. O primeiro momento é sempre adaptação, depois a ação toma conta e já posso vê-la correr para percorrer o mundo de novidades que a espera.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Nas folhas de outono

Foto: Marcelo Krelling
Me esparramo pelo chão sem a paciência de apreciar estas folhas e o céu de outono que eu tanto gosto. Minha cabeça, cheia de ansiedades, tem pressa de viver o futuro que sabe Deus o que trará. Tenho dificuldades de viver o presente, sem esperar demais o que virá. Esta ansiedade que me tira o sono, a sensação do corpo, que me rouba o fôlego pra ser feliz. Sou feliz. Mas seria ainda mais se soubesse caminhar sem pressa. Observaria mais ao meu redor, celebraria os instantes da vida, que é deles que ela é feita. Seria mais eu mesma, lapidaria meus defeitos com mais assertividade. No entanto, tenho tido diversas tentativas em vão. Busco soluções pra problemas que desconheço a origem. Ou conheço, mas prefiro fingir que não. Temo escavar minha alma e encontrar nela dores maiores que as que já enfrento. Sei que é na escavação que se encontra os tesouros, bobagem minha. Mas é esta pressa que me faz seguir em frente, sem perder tempo comigo mesma. Daí sigo aos pedaços, aos cacos e não por inteiro como devia ser. Queria mesmo, agora, neste instante, deitar sobre o chão repleto destas folhas de outono. Olhar para o céu e parar por um momento que seja. Não pensar em nada. Apreciar tudo, tudo ao meu redor. Tenho muito a celebrar, eu sei. E quero comemorar tudo isto que tenho, esta vida tão cheia de soluções onde os tropeços da pressa parecem tornar em problemas. A vida moderna é mesmo um caos. Queria mesmo é ser como antes, onde o banco da praça era disputado por pessoas sem pressa, que saboreavam a vida debaixo da sombra de uma árvore e jogando conversa fora com os amigos.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Ao mesmo tempo

Foto: Bubles

Ao mesmo tempo que me falta o fôlego, me resta um sopro. Enquanto o coração dispara, sei lá se insegurança ou medo, ou as duas coisas ao mesmo tempo, dispara na expectativa de que algo irá dar certo, muito certo. Não sei se assim sou, mas estou assim ultimamente. Uma mistura de crença e descrença, confiança e insegurança onde o que é positivo quase sempre tem se sobressaído aos pensamentos negativos que permeiam. A pressão aumenta, mas inevitavelmente a esperança também. E este sorriso que não se apaga do meu rosto facilmente, este bom humor que aprendi a cultivar apesar dos pesares, é o que me leva adianta combatendo a tristeza e o mau humor ao meu redor. Vez ou outra eles me pegam, batem na minha cabeça que fica algumas horas ou dois dias martelando. Mas passa no primeiro abraço, no primeiro gesto de compreensão e animação que me vier. Ao mesmo tempo, todas as coisas acontecem em mim. Por mais que eu tente, não consigo viver sem esta duplicidade. Esta sou eu, avessos e contrários, tudo ao mesmpo tempo agora, numa mesma pessoa. Talvez seja hora de parar de combater isto e aceitar. Talvez seja isto que me mantenha viva, então, melhor deixar.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

No escuro

Foto: Nuno Boavida
Se um dia viesse a se casar, seria de preto. Ou roxo. Não via muita cor nesta história de casamento. Não acreditava em final feliz. Quando pequena, parava de ler os contos de fadas antes do final. Sabia qual era o desfecho, mentira. Não gostava de fantasiar a vida. Cresceu prática e realista, dizia ela. Para os outros, pessimista. Não perdia tempo com imaginações. Vivia o que tinha que acontecer. Mal sabia da felicidade, nunca a experimentou. Não porque a felicidade não era merecedora de sua vida, pelo contrário, a felicidade se importava com ela. Ela que dava de ombros, virava a costas e fingia não ligar. Seguia em frente. Uma vida sem graça, mas que pelo menos fazia sentido. Uma vida de verdades que ela criara pra si mesma. Vestida de preto, passava despercebida pelas pessoas. Não se fazia notar, embora um ou outro olhar de estranheza fitava seu corpo. Se pensa que era feia, engana-se. Sua beleza era extraordinariamente bela, mas um pouco escondida no escuro da sua vida. Se jogasse luz, talvez fosse modelo, uma daquelas de muito sucesso. Mas queria apenas ser ela mesma, vista como única em meio a tantas pessoas comuns. Talvez por isso fizesse de estranha, pra ver se misturava a estranheza do mundo que ela tanto insistia em não ter.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Todo dia

Foto: Sónia Cristina Carvalho
De vez em quando é pouco. Às vezes é insuficiente. Não que queira a toda hora e instante. É necessário um intervalo, mas que seja pequeno que é pra não dar tempo pra saudade. Saudade é coisa boa, mas dói e não quero sentir dor. Não esta dor de amor. Também não quero pra sempre. Aprendi que sempre não é todo dia, então não me satisfaz. Esta coisa de eternidade é meio vaga demais, porque pode ser um sentimento isolado e o que quero é contato. Acredito no amor de mão dupla, estes que a gente nunca sente sozinho. De platonismo, vivem os psicóticos, não eu. Gosto desta coisa de convivência, deste cotidiano que de monótomo só tem os sem qualquer criatividade. Todo dia é uma nova possibilidade criativa e existe uma fonte inesgotável de criatividade por aí, basta usar. Gosto desta coisa de dormir junto, de roçar meu pé no seu, ou seu pé no meu, o que for melhor. Dividir o mesmo teto, compartilhar palavras, fôlego e sussuro. Esta coisa que só entende os que amam de verdade e fingem entender os que não sabem amar. Por isto, de vez em quando é muito pouco pra tanta coisa pra viver a dois. Palavras pra falar, coisas para fazer, vida pra viver. Esta tal história que eu quero ter pra contar, esta história toda que eu quero escrever da gente não dá pra ficar no papel. Preciso estar com você o quanto for preciso, o tempo que for necessário pra escrever um romance, pra fazer um filme ou quem sabe um filho. Às vezes, de vez em quando, não é tempo suficiente pra tudo isto. Às vezes, chega a hora de ampliar o tempo para 30 horas como fazem os bancos. Às vezes é necessário dormir e acordar junto, de pés descalços pra finalmente fazer tudo isto que a gente pretende um com o outro e quem sabe, até mesmo um pouco mais.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O fôlego no caos

Foto: Carla Salgueiro
Os desabamentos arrastam casas, soterram vidas e até mesmo sonhos. Levam embora os castelos de dois cômodos, construídos como a única fortaleza possível. Sem reboco, mas com um conteúdo cheio de pessoas e histórias para contar. Desabam pessoas, bairros inteiros. Desabam também as lágrimas dos que assistem esta tragédias de perto ou até mesmo pela televisão. Desabam, como se não parassem mais de descer morro abaixo das bochechas do rosto, ora mais ou menos salientes. O gosto do desabamento é amargo, assim como dói as lágrimas que descem pela face da gente. Interrompidos, cessam os desabamentos do choro para as inundações da alma. Bombeiros, anjos travestido de humanos para o auxílio daqueles que perderam quase tudo, menos a esperança. A tristeza que parece imensa como o mar de lama, sofre uma pausa, uma lacuna, para que possamos ver o rosto de uma criança sobrevivente da tragédia de centenas de vidas perdidas. Elas, surgem pelos escombros, pelas frestas da tristeza e reacendem a luz da alegria que parecia tão destruída quanto as casas. É pelas frestas da tragédia que Deus age, percebo. Quando os rostos estão molhados de um choro compulsivo, surge um sorriso tímido que muda todo o cenário daquilo que conseguimos ver através das lágrimas de dor e tristeza. Percebo, mais uma vez, que a a alegria é capaz de surgir de qualquer detalhe, assim como Deus age em qualquer pequenos instante entre um caos e outro. As crianças simplesmente creem, não desistem. Insistem numa vida melhor, ainda que percam todo o resto. Numa capacidade imensa de sobreviver, arrancam sabe-se lá de onde, os cacos de esperança que sobraram e vivem, mais do que sobreviver. Trazem de volta vida à nossa esperança, as vezes tão morta que parece nunca mais ressuscitar. Pelos escombros da vida que parece ter chegado ao fim, surge o fio de fôlego que faltava para seguir em frente, eles e cada um de nós, bem mais que antes.

Devolução

Foto: Antonio Marcos Moreira Pedrosa
Devolvo-lhe aquilo que és. Não posso ficar com aquilo que não é meu, não me pertence. Se retiro-lhe do que és, deixas de ser o que sempre foi. Transforma-se em outro ser, outra história, uma outra vida que não é mais você. Não tenho o direito de arrancar-lhe de si mesmo, como quem arranca uma flor. Arrancada de uma roseira, murcha, seca, morre. O que era vida, já não volta a ser. Por isto, hoje, devolvo a você aquilo que de fato és. Não quero pedaço, nem folhas ou pétalas. Saberei, a partir deste momento, admirar e amar sua beleza tal qual sempre foi e esteve. Inteiro, vivo, completo. Saberei cuidar de você, sem rupturas, respeitando todas as fragilidades que tem e as fortalezas que ajudarei a preservar. Prometo não lhe roubar do que és, amar como a mim mesmo e a preservar a tua vida e história da maneira que você a construiu e que faremos juntos a partir de então.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

A mala

Foto: Rosa Ribeiro
Andava com excesso de bagagem. Ninguém da alfândega apareceu, nos últimos 30 anos, para lhe punir ou questionar o que trazia na bagagem. Acredita que os excessos lhe eram necessários. Não sabia da inutilidade. Com pressa, não parou pra pensar. Recostava a bagagem vez ou outra no caminho, trocava de mão e seguia em frente. Dores na coluna, sentia. As dores nada mais eram que o ônus de seguir adiante com todo o fardo que lhe é cabível. A vida era assim, carregar karmas, pensava. E era preciso seguir em frente, sem deixar nada para trás. Seria pecado não dar conta de tudo aquilo que levava. E a mala seguia capenga, arrastada, esfolada, mas seguia junto ao seu corpo. Não importava se de ônibus, trem, avião ou mesmo a pé. Jogada de um lado para outro durante a trajetória, a mala mantinha-se travada com tudo o que havia lá dentro. O que havia ali, eu não sei. Mas não parecia fácil de carregar. Posso dizer isto pela forma com que ela anda, as pernas cansadas, os olhos fundos. A respiração ofegante revela o sufoco que a vida lhe traz. Era hora de parar em alguma estação, aproveitar o atraso do trem e rever a vida. Abrir a mala, revirar passado. Muita coisa poderia ser deixada para trás, pois já não fazia parte do futuro que lhe era reservado. Mas não havia tempo, não para ela. Andava demasiadamente apressada para prestar atenção a si mesmo. Mal sabia do quanto seu corpo era leve, do quanto suas pernas poderia caminhar e até onde era capaz de chegar se para trás deixasse a mala que sua vida havia se tornado.