terça-feira, 29 de junho de 2010

Esquecer é esforço

Foto: Brida
Sempre me esforço pra esquecer alguma coisa. Um esforço diário e contínuo que me é necessário tanto quanto o ar que eu respiro. Não cabe em mim todas as coisas pelas quais passei, ouvi, senti ou até mesmo vivi. Sempre tenho a urgência e a pressa de descartar algo para que possa caber ainda mais daquilo que espero vir. Os pesos que carrego me impedem de ser leve o suficiente para carregar as novidades que estão por vir. Por isto, insisto tanto em esquecer tantas coisas. As palmadas da infância, os abraços que não recebi e as palavras de amor que quantas vezes esperei de quem mais precisava. Insisto em esquecer os medos e tudo aquilo que me fez sofrer. Tento esquecer o que doeu e machucou. Tento não arrancar as cascas das feridas que estão por ser curadas. As vezes fracasso, cutuco e arrasto comigo toda esta babagem desnecessária. Por isto, esquecer é um esforço diário. Todos os dias me esvazio um pouco que é pra caber em mim as alegrias que me traduzem não os pesos que me encolhem.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Este velho conhecido


Foto: olhares.com
De todo inimigo que se possa ter, o medo é o maior. Não que você deva temê-lo, mas é de bom gosto evitá-lo. Se não der, combata-o. Não sei te dizer como e qual a melhor forma de fazer para derrotar o medo que você carrega consigo. Existem tantos e de tantas formas que não consigo encontrar a fórmula exata para expulsá-lo de nossas vidas. E se alguém aí souber, por favor, não tarda em me contar porque tenho pressa. Os medos paralisam, incapacitam, adoecem, mutilam e entorpecem. Não sei que outro mal há no mundo maior que o medo. Talvez a maldade, mas esta provavelmente está interligada em algum medo, como tantas outras coisas ruins também estão. Dizem que a fé nos afasta de todo medo. Creio que seja sim uma verdade, mas não sei o quanto da fé é necessário usar. Vale tentar, que é bem melhor que se acomodar no medo e não partir pra execução de nenhum de seus sonhos, dos mais simples aos mais exagerados. Vejo que os que menos temem, mais alcançam. Mas por favor, não pensem que todo medo é ruim e que extirpá-lo da sua vida seja a melhor solução. Não. Medos nos mantêm vivos, numa medida exata que é difícil alcançar, mas sabe-se pequena. O excesso de medo é, na maioria das vezes, letal. Mata tanto a quem sente quando o torna assassino. Medos, independente de quais sejam eles. Uma lista infinita e enganadora, que nos tira a capacidade de ir além. Não sei qual é o seu maior medo, mas é bom preparar-se para enfrentá-lo. Cedo ou tarde, quer queira ou não, irá se deparar com ele e vença o que for melhor. Estarei daqui, do meu combate, torcendo para que o medo seja sempre um fracassado diante da nossa capacidade de viver.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Primeiro passo

Foto: Paulo Henrique Alves Ferreira
Era como se o mundo fosse todinho meu. Uma sensação de liberdade, de ter nos pés a possibilidade de experimentar a vida de uma maneira que nunca havia experimentado antes. Uma sensação de poder, não de autoritarismo, mas de um poder fazer o que quiser, de poder estar de pé e dar os passos, fazer as escolhas que fossem necessárias. Escolher agora, me parecia algo bem mais possível do que antes, tão limitado era o meu poder de decisão. A partir de agora, tenho a sensação de que sou livre e que possuo múltiplas escolhas que eu mesmo poderia optar. Sinto o meu corpo mais firme, assim como está mais segura a minha visão do mundo. Impressionante como tocar o chão, me torna mais próximo e mais pertencente a tudo o que está a minha volta. Posso sentir a vibração da terra. Posso viver e experimentar a energia da vida. Assim, com os pés no chão me sinto mais pronto para voar. Depois de pisar o solo pela primeira vez, posso tomar impulso para ir mais além, saltar para tudo aquilo que quero descobrir e retornar sempre que for necessário dar mais um passo adiante. Que seja assim, apenas o começo de toda esta minha caminhada.

Amor sem julgamentos

Foto: José Luis Cunha
O amor não tem fórmula pra acontecer. Muito menos a liberdade que temos tem regras a seguir, ordens a cumprir ou censuras pra ouvir. Um monte de bobagens diz a sociedade que tenta impôr limites a um amor que está cada vez mais raro de acontecer. Não falo destas transas fúteis, efêmeras e fulgazes. Falo de um amor eterno, constante, que na maioria das vezes é comportado mas vez ou outra usa de uma adrenalina pra fever. Não falo dos amores mornos, frios ou sem temperos que vemos por aí. São estes que alimentam as estatísticas do divórcio, do descaso e da efemeridade do amor líquido que escorre pelas mãos da atualidade. O amor sólido tem lá seus estados diferenciados, que o permite ser quem é, apesar de transitar por tantas máscaras diferentes o tempo todo. O amor não se esconde e é revelado da maneira mais inusitada que podemos imaginar. Não julguemos nada, nem o amor. Não há medidas para saber o seu tamanho nem fórmulas para saber sua veracidade. O amor acontece simplesmente e se basta. Não é mensurado pelos olhos curiosos dos outros, mas vivido pelos corações que a ele se renderam. Do amor, só sabe aquele que o sente, ninguém mais. O amor é livre para ser quem é, pra acontecer do jeito que quiser. Quem o recebe, faze-o sem saber a medida e deve lhe ser grato, pois num mundo de desamor, tê-lo ainda que pouco, tem sido uma das mais valiosas experiências que se pode imaginar.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Sonho de menina

Foto: Eliseu Ritter
Mais do que quem realmente era, importava-lhe o que viria a ser. Mal sabia das coisas presentes, das brincadeiras de infância, amarelinha ou pular corda. Não tinha paciência com bonecas, muito menos sonhava ser professora. Passava grande parte do tempo imaginando o futuro e isto era a sua melhor brincadeira de criança. Imaginava-se de perua a executiva. Carros importados, cargos elevados. E desde já, ensaiava as broncas nos subordinados que teria, inclusive o marido. Podia se ver andando no shopping, numa tarde bem no meio da semana, cheia de sacolas e quem sabe até um motorista particular. Gostava de programas de moda, da maquiagem importada da mãe. Não sabia do desgosto, nem do mal gosto. Gostava daquilo que era bom e imediato. Não sabia esperar, fosse um presente, uma pessoa ou até mesmo o futuro que era imenso e cheio de possibilidades. Ela não queria muitas, apenas uma lhe bastava: ser uma mulher de sucesso. Não, não o sucesso como mãe, esposa e uma sabedoria que poucas mulheres conseguem ter. Sucesso, para ela, era o poder e a sensualidade que só uma mulher consegue ter. Desejava ser admirada pelas coisas que possuia, não pelas que conquistava no percurso da vida. Aliás, o percurso que ela considerava longo e demorado, tal era a sua urgência em chegar logo onde desejava chegar. Infância, não sabia o seu significado. Desejava a vida adulta de uma maneira voraz. Não se conformava com o tempo que a vida leva pra acontecer e, desde já, calçava os sapatos e vestia-se das jóias da mãe e corria para o espelho. Todos os dias esta era a sua rotina. Uma maneira de fazer o tempo girar, de chegar mais perto daquilo que lhe era importante e negar a realidade que tanto lhe incomodava. Queria-se mulher, o quanto antes possível e já amava a mulher que viria a ser: fútil e sem conteúdo, autoritária e bem sucedida. Desconfio que esta auto-estima lhe será útil, quando seu sonho de menina lhe roubar a alegria que ela nem imagina ser capaz de existir.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Pés cansados

Foto: Jorge Figueira
Meus pés cansados, saíram pra passear. Cansados de correr dos problemas, de pisar no próprio calo. Cansados de caminhar distraído, de apertar o passo. Meus pés cansados, saíram pra passear. Decidiram se livrar dos sapatos apertados, dos chinelos gastos e velhos. Saíram descalços pra qualquer lugar, qualquer lugar acima do chão onde possa pisar frouxo que é pra ser mais suave e leve o meu caminhar. Meus pés, livres, saíram pra descansar. Descansar das corridas, dos trancos e barrancos. Descansar do peso que costumo carregar nas costas, em vão, eu sei. Que o descanso dos meus pés seja doce, não eterno. Que seja leve seu caminhar por onde houver esta liberdade. Que o chão, ora frio, ora quente, saiba equilibrar a temperatura da minha vida e do meu humor. Que possam sentir a grama, que possam sentir a água. Meus pés, cansados, já não se cansam tanto mais. Vez ou outra, arranco os sapatos e os levo pra relaxar. E depois do descanso, sigo tranquila em passos livres e suaves, porém seguros, certa de onde vou chegar.