quarta-feira, 28 de julho de 2010

Faxina

Foto: Teca Farias
Decidi que hoje será um dia de faxina. Vou me atrasar para o trabalho, desmarquei meus compromissos, não atendo o telefone. Resolvi passar toda a tarde limpando os armários e gavetas da minha vida. Jogar fora as cartas que já não me dizem mais nada. Me livrar dos preconceitos, rasgar as decepções e frustações que trago inteiras na bagagem. Tirar os fantasmas que moram debaixo da minha cama, como os medos e inseguranças que vira e mexe me assombram antes de dormir ou tomar decisões. Arrancar dos armários as caixas velhas, com lembranças inúteis ou ruins, paixões que já se foram, ilusões. Lembrei de conferir debaixo do tapete, onde costumo guardar as palavras pesadas que já foram usadas contra mim, os julgamentos ao meu respeito, as palavras que em nada abençoaram a minha vida e me fazem acreditar não ser capaz de chegar onde desejo. Vou varrer cada canto do meu quarto, retirar as teias de aranha, passar pano molhado em cada um dos meus sonhos mofados. Jogarei fora os bibelôs fora de moda, as idéias ultrapassadas. Roupas velhas que não uso mais. Sapatos apertados. Cores apagadas. Talvez aproveite e mude a decoração. Organizarei tudo, deixando à mostra aquilo que me é verdadeiramente importante. Minhas metas e sonhos estarão à vista, na prateleira de frente que é pra eu nunca mais perder o foco. Minha alegria estará traduzida nas cores, vivas, em todo o ambiente. Deixarei gavetas perfumadas pelo meu prazer de viver. Comprarei caixas novas, onde guardarei com todo carinho e cuidado todas as palavras de amor que já me foram, sinceramente, ditas. Almofadas macias e aconchegantes como o meu temperamento e amor ao próximo. Roupa de cama perfumada, objetos divertidos e úteis, que me ajudarão a chegar onde preciso. À noite, antes de dormir, ainda hoje, colocarei no microsistem uma música suave que me devolva para mim mesma. À frente, no mural de fotos, pessoas que eu amam e que me fazem bem. Sorrisos da minha infância, verdades que me promovem àquilo que Deus quer de mim. E com ele, irei dormir tranquila, certa de que amanhã quando acordar, tudo será novo e estarei preparada para recomeçar.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Sabor do vento

Foto: desconhecido
Este gosto que eu nem sei dizer o nome. Este sabor gostoso que vem do aroma, da brisa, do voar dos meus cabelos. O brilho que tem durante as tardes. O frio que traz durante a noite, para aliviar o calor que o sol traz pela manhã. Gostoso como casa de vó, como o abraço da mamãe. Lembranças que são trazidas de volta, como se um álbum fosse desfolhado aos poucos, espalhando beleza e encanto para todos os cantos da nossa vida. Gosto de sentir seu gosto, quando bate em meu rosto na janela aberta do carro, no abrir da janela quando me desperto logo cedo. Gosto do seu beijo em minha face, cada vez que te vejo me tocar. Caminho ao sabor do vento, que me acolhe, que me leva pra onde eu quero chegar. Sinto que ele vem comigo, numa festa e alegria que poucos conseguem trazer. O vento e seu gosto me acompanham nas maiores furadas, me fazendo rir de mim mesma e ao mesmo tempo acreditar que tudo pode ser mais leve, como a leveza que ele traz ao passar por mim. Gosto de cabelo ao vento, de fechar os olhos, de abrir os braços. O sabor do vento é o alimento que me dá energia. Sinto-o de frente, que é pra estar com ele face a face e tentar captar as coisas que ele vem me dizer. O vento me visita sempre que pode. Gosto de estar preparada para recebê-lo, estar em repouso e ficar um tempo com ele. As vezes ele se vai muito depressa e é preciso aproveitá-lo, antes que o sabor acabe e me deixe na saudade.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Assim seja

Foto: Pedro Moreira
E quando eu tiver velhinha, com os cabelos insistindo na brancura que a velhice nos traz, quero que esteja ao meu lado, meu amor. Calvo, com os cabelos brancos e os rostos marcados pelas rugas da experiência que pude acompanhar em você. Estaremos de mãos dadas, abraçados. Ora caminhando pelo jardim, ora sentados numa cadeira de frente para a nossa varanda ou para o mar que tanto gostamos de ver. Não verei a hora passar, meu amor. Acredito que nem mesmo você. Estaremos felizes por tudo aquilo que vivemos em todo o tempo que estivemos juntos. O sorriso estará estampado em nosso rosto, num misto de paz e gratidão a tudo aquilo que Deus fez de nós dois e do nosso amor. Posso sentir o vento suave batendo em nosso rosto, como que beijando a nossa face. Posso sentir a textura da sua bermuda bege, tão macia quanto as suas mãos que acariciam os meus cabelos e a minha nuca. Não haverá saudade da nossa mocidade, tão bem vivida ela nos tem sido. Talvez, saudade dos filhos pequenos que cuidamos com o mesmo intenso amor que temos um pelo outro. Mas teremos os netos, esta prova de que a vida continua em nós e apesar de nós. E teremos tranquilidade e vivacidade para brincar com eles e colocá-los no colo e amá-los com toda a pureza que eles também nos amam. Estaremos lado a lado, meu grande amor. Não porque merecemos, ou porque sabemos, mas porque amamos e só o amor verdadeiro é capaz de tocar em frente, ultrapassar barreiras e produzir frutos. Quero que estejamos sábios e agradáveis para a convivência. Que nossa presença traga sabedoria, tranquilidade e amor aos que a nós chegar. Que possamos ser exemplo e testemunho de que amar vale a pena e de que o amor ainda existe de uma maneira que há muito não vemos. O amor existe apesar dos nossos olhos míopes e cansados. O amor está em toda parte, para ele fomos criados. Que o amor seja o ar que respiramos desde hoje até o nosso envelhecer. Que nos faça doces como o mel, suaves como a pluma e agradáveis como o algodão. Que sigamos leves e confiantes por esta vida, sempre ao lado um do outro. Assim, fica bem mais fácil chegar. Amém.

Nas mãos de Deus

Foto: J. Pedro Martins
Este controle que a gente acha que tem nas mãos é uma grande bobagem. Não adianta pra nada, não funciona os botões. Como controladores, somos um tremendo fracasso, temos que admitir. Perdemos a hora, apressamos o passo. Precipitamos as coisas. Pisamos na jaca e as vezes até atolamos nela. Esta mania que temos de controlar tudo é o que nos deixa completamente fora de controle. Ansiedade, depressão, frustração, tristeza, baixa auto-estima. Resultados que alcançamos com esta mania de autosuficiência que não é suficiente nem pra nos deixar mais contentes com a gente mesmo. Somos apenas peça de um jogo de tabuleiro, embora tentamos insistentemente adquirir vida própria. Somos manipulados, vezes pela sociedade, vezes pelos pais ou amigos. Temos sim, poder de decisão, autonomia, mas não temos o poder de controlar as consequências, de impedir os imprevistos. A estes, o controle está acima de nós. É Deus quem controla tudo do lado de cima. Ele quem prevê os resultados daquilo que fazemos. Ele quem sabe das nossas escolhas. Ele quem ri das nossas ansiedades, tantas vezes tão infundadas. Somos peças únicas num jogo de tabuleiro da mesa de Deus. Como únicos, temos nossas particularidades e que são tão respeitadas pelo jogador. Temos as nossas caracteristicas de importância, nossos padrões de comportamento, nosso pequeno e importante poder de escolha. Mas melhor mesmo é não viver em função das preocupações do resultado do jogo, porque como peças, apenas somos parte de um processo. Bom mesmo, é criar os nossos sonhos, fazer o que nos é possível e ser o melhor que pudermos ser. No mais, é deixar o grande jogador da nossa vida colocar as mãos sobre nós e nos guiar para a vitória que ele pretende ter com a vida que somos.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Todas as cores do mundo

Foto: Carlos Lopes Santos
Todas as cores do mundo. Ora organizadas em fileiras, como listras. Ora em degradê como uma escala gráfica e tantas outras vezes misturadas como em lata de tinta. Todas as cores do mundo, diferenciadas por versões e variações de tons, mas são todas, todas ao mesmo tempo. Multicolorido, numa diversidade deliciosa que se resume em dois, onde não cabe mais nenhum. O amor. Esta faceta arco-íris da vida. Esta gama de alegria que colore os cantos preto e branco que, sozinhos, esquecemos de pintar. O retoque do nosso lado bom. O detalhe que faltava na obra que somos. Este espaço de duas pessoas mergulhados na felicidade das cores do mundo. O amor tem esta capacidade, reunir todas as coisas boas da vida num único nome, num único sentimento. Sentimento que só acontece quando vira atitude. Esta atitude de pintar o outro, de rabiscar a vida de quem ama com as cores favoritas de um e outro, sem saber mais quais são as preferências de cada um. Amar é isto. Pintar a vida com todas as cores do mundo. Colorir a dor, a solidão, o sofrimento e a tristeza. Superar as dificuldades. Rir dos desafios. Acreditar em si mesmo. Confiar no outro. Seguir adiante. Viver intensamente. Fazer valer a pena. Pra isto fomos feitos, para amar. Não é atoa que Deus coloriu o mundo inteiro e depois nos colocou aqui. Que é pra usar as cores e pintar nosso amor por onde andarmos. Esta vida em preto e branco não é pra gente. Somos coloridos e se ainda não somos, está na hora de pintar o amor.


segunda-feira, 12 de julho de 2010

Iguais, diferentes e vice-versa

Foto: olhares.com
Aparentemente todos iguais ou então, todos diferentes. Refletir sobre igualdade e diferenças é tão necessário quando respirar. Imprescindível para a realização do respeito ao outro, da tolerância às diferenças. Porque somos tão iguais quanto diferentes o tempo inteiro. Não há cor da pele capaz de tornar diferente a nossa vontade e direito de viver. Não há diferenças sexuais que apagam a nossa igualdade de amar. Ao mesmo tempo não há igualdade que iguale as nossas diferenças culturais ou que nivele ao mesmo patamar a nossa individualidade. Somos únicos, diferentes e iguais o tempo todo. O ponto de vista é o que determina o limite entre ambos. Mas é preciso se distanciar um pouco, usar de calma e cautela, para que se possa ver que igualdades e diferenças estão juntas a todo instante. Dentro de nós mesmos, na nossa relação com os outros e na nossa relação com o mundo. Somos seres iguais e ao mesmo tempo tão diferentes ou somos seres tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais?

E como falam!

Foto: Lúcia Letra
Escorriam sem se explicar. Não sabia se dor ou medo, se fome ou saudade. Talvez insegurança, talvez amor que transborda pelo canto dos olhos. Escorriam se dizer causa ou consequência. Saiam pelo olhos silenciosamente. Inundava a alma de onde veio e tantas outras que a viam. Lágrimas assim, silenciosa e calma, comovem e movem tudo ao redor. Dizem mais que o grito e as palavras. Dizem mais que qualquer outra expressão. As lágrimas traduzem sem se explicar. E movem tantas outras lágrimas que escorrem de outros olhos como se todas se mobilizassem por uma única causa. Lágrimas têm compaixão, misericórdia uma das outras. Isto, falo das mais sinceras, destas honestas. Destas lágrimas que escapolem ao nosso controle, ao nosso egoísmo, a nossa vontade. Estas lágrimas que dizem tudo aquilo que calamos ou não sabemos dizer. Estas lágrimas que falam por nós. Lágrimas que são a representação mais pura e verdadeira de nós mesmos, aquilo que nem mesmo a gente reconhece em nós, mas que é preciso transbordar para aliviar o caos que as vezes acontece, silenciosamente, dentro da gente.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Minh´alma

Foto: Vinícius Matos
Sim, minha alma ruiva tem este rosto. Um pouco mais jovem, porque ainda é uma criança. Mas quando mulher, lá pelos menos cinquenta e tantos anos, minha alma será assim, uma linda e atraente moça ruiva. De sardas no rosto, as mesmas que insisto em retirar da minha pele. É que por fora, não vim ruiva como sou por dentro. E sardas, deixam de ser sardas quando marcam o rosto moldurado por cabelos vermelhos. Sardas viram charme, identidade, personalidade. Nunca sardas. Os olhos de quem é ruivo, ainda que escuros, são claros como a luz do dia ou azuis como o brilho do céu de inverno. Os cabelos vermelhos, pintados por Deus, são como o fogo do seu avivamento. Ruivos, são como anjos, sempre os vi assim. Não soube o ser por fora, talvez não merecesse ou não fosse este o meu destino. Mas por dentro, sinto que sou ruiva como a moça ruiva que vemos agora. Ainda menina, já disse. Sapeca, peralta e as vezes frágil como todas elas. Mas me tornarei esta moça quando me fizer mais forte, quando a menina levada deixar espaço pra mulher atraente e sábia. Quando de fato, ainda que por fora esteja de outro jeito, a ruiva que há em mim tomar o seu lugar e me fizer aquilo que Deus preparou em minha alma, completamente travestida de ruivo como a chama, a Tua chama.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

E a sua?

Foto: Pedro Maia
Não tem paredes, feitas de tijolos. Não tem paredes, de concreto nada disto. Existe sim, um limite ou as vezes nem isto. Porque mesmo os limites existem para serem ultrapassados. Aprender, esbarra nos limites que vez ou outra se expandem. Não tem teto, porque as vezes é necessário chuva ou sol. Todas as aulas são práticas ou pelo menos, passíveis de serem praticáveis. Não acredito em aula teórica que não tenha como fazer parte do meu e do seu cotidiano. Todos os dias são dias letivos. O diretor ou diretora, sou eu ou você. As disciplinas eu não sei contar, tantas e diversas podem ser. Aprendo sem fronteiras, sem cadeiras. Pelo contrário, quase nunca me sento para aprender. Professores e alunos se revezam. Mestre e aprendiz se confundem e fundem. Somos os dois, ao mesmo tempo. Temos ainda muito o que aprender mas já sabemos um bocado suficiente para também ensinar. Minha escola é uma instalação chamada vida, esta que eu mesma vivo. A sua, também pode ser você e a vida que você leva é exatamente a escola que irá te ensinar.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Felicidade é simples

Foto: Conceição Cardoso
Deitado na praça, me sinto mais tranquilo e menos sozinho. Engano-me com a companhia dos passantes. As crianças brincando na praça, pareciam os netos que não tive jeito de ter. Fecho meus olhos e me imagino correndo com elas. Sinto-me feliz por recebê-las em minha casa, com quintal amplo e cheio de possibilidades para brincar. Aos domingos veem aos montes. É o momento que me sinto mais vivo e alegre, domingo de manhã. Acordo cedo, tomo um banho na bica de lavar as mãos, penteio o cabelo com o pente velho que carrego a mais ou menos quarenta anos. Vejo-as chegando, as recebo com um sorriso. Quando me é permito, passeio entre elas, troco palavras. Outras vezes, na maioria, me contento em apenas ouvi-las sorrir. Uma infância que eu deixei pra trás em meio a tantas dores que preferi esquecer. Sou feliz, com os pássaros que crio livremente pelas árvores. Tenho o céu estrelado como o teto da minha noite. Me alegro com a brisa do dia, com o vento batendo nas árvores. Meu despertador é a vida que bate em mim e lambe os meus cabelos despenteados. Tenho Deus como companhia diária. Com ele converso, troco segredos e até danço uma cantiga ou outra. Aqui, me sinto protegido do mundo, sem cercas elétricas ou alarmes. Sinto que vivo a vida intensamente, numa paz interior que me acompanha. Não troco por nada o que sou, meus pés descalços prontos pra receber a energia da terra, a energia da vida. Tenho o prazer de estar vivo e receber todas as pessoas do mundo de portas e braços abertos. Assim, sinto que sou mais perto de Deus, assim me sinto melhor que tantos outros que se sentem tão mal, tendo tanto.

Essa moça

Foto: Inês Costa
Que moça era aquela com cara de Alice, não se dizer. Não sabia do seu nome, dos seus gostos e nem desgostos. Parecia triste, mas ao mesmo tempo repleta de alegria dentro de si. Porque haveria de se esconder a alegria, eu também não sei. Assim como não sei dos seus amores, de onde mora e nem de onde veio. Parecia apaixonada, embora a paixão seja enganosa e nos confunde o tempo todo. Talvez estivesse apenas descansando de um grande período de descobertas, como é a vida dos adolescentes. Ou ainda, pudesse estar fazendo uma pausa, um intervalo entre um rompante e outro, para conhecer melhor a si mesma e reconhecer o seu destino. Que moça era aquela com cara de Alice, não sei dizer. Pouco me revela a aparência que ela tem. Faço julgamentos, suposições. Imagino quem seja esta moça deitada na grama de vestido de fada. Se espera um príncipe, se beijou um sapo, se terá final feliz, apenas suponho. Não sei dizer. Dos outros é bem mais fácil imaginar, saber a respeito deles exige intimidade, ainda assim não estaremos livres de julgamentos indevidos, nem assim.