segunda-feira, 30 de maio de 2011

TENHO FARO

Foto: autor desconhecido

Gosto de explorar o mundo, o canto das coisas. Gosto das entrelinhas que dizem mais que as palavras que compõem o texto. Sei que o autor revela muito mais naquilo que não diz, nós mesmos agimos assim na maioria das vezes. Farejo o silêncio e sei que nele existem mais palavras que uma discussão pode dizer. Debaixo do tapete, encontro coisas que as pessoas nem sempre têm coragem de revelar. Eu mesmma escondo coisas debaixo dele vez ou outra, quando bate a covardia de resolver os problemas na hora certa. Disconfio que o mesmo acontece com você. Gosto de remexer gavetas, não aquelas do passado porque elas eu já sei que passaram no tempo e estão cheias de mofo, sou alérgica. Gosto é de revirar aquilo que é de ontem, que é pra não deixar que hoje fique tudo meio bagunçado e que amanhã eu não consiga administrar o caos que virou aquilo que era simples. Meu faro é melhor que o de muita gente, mas não é infalível. As vezes engano nos cheiros a aromas que a vida me dá. Farejo confiança onde as coisas não estão lá muito confiáveis. Me engano com situações e circunstâncias, tropeço e caio quando farejo que o solo é seguro e não percebo o buraco. Sou humana com faro canino. Vezes faro de pastor e outras de um shitzu com nariz enterrado na cara. Horrível. Mas me distraio e rio de mim mesma. Afinal de contas, não me estrepo tanto. Quando farejo que tudo parece impossível, algo vem e me mostra que é possível transformar em realidade aquilo que a gente sonha. O que não dá é passar pela vida sem farejas as pessoas, sem farejas os detalhes. Sei que muito mais me conta os cantos da casa que os meios. Os silêncios me falam mais que as palavras. O que escrevo revela mais do que eu digo. Pra mim, viver é assim. Acho que pra todo mundo é igual. Uns mais apurados, outros menos. O faro da gente é dos outros também é capaz de mudar a cada dia. Mas o que não podemos é desistir de farejar a felicidade e a melhor maneira de fazê-la acontecer. Farejar.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

CLIENTE DO DESTINO, NÃO

Foto: Autor desconhecido

Não quero ser cliente do destino. Perder a validade, fazer parte da perecidade. Não quero ser cliente desta gente inconsequência, demente e pouco inteligente. Gente que só pensa em gastar a grana, jogar no lixo e descartar o velho. Não quero ser cliente deste destino fabricado por gente apressada, com mania de acumular comida e coisas, pensamentos e idéias, sem pouco usar nada. Não quero ser cliente da futilidade, dos modismos, das sazonalidades. Não sou fruta de época, nem mulher melancia e nem a gostosa do funk. Eu não tenho gosto e nem desgosto, não sou pra qualquer um. Não quero ser cliente nas mãos de gente incoveniente, que cospe os caroços no chão, que joga fora do lixo a casca da banana e ainda dá risada quando ainda tropeça e cai. Não faço parte deste mercado louco, com cada vez maior número de pessoas, esbarrando umas nas outras, trocando sacolas de plástico ou papelão, suando bicas e brigando por um trocado a menos.  Não quero ser cliente do destino porque não caio nas mãos  de quem não sabe o que quer ou gosta, dos que não têm mais paladar, tão pouco se preocupam com a qualidade ou a saúde. Não quero fazer parte deste jogo, desta vaidade desmedida e mal trabalhada, dos esterótipos com pouco conteúdo, das frutas lisas e brilhantes lotadas de agrotóxicos. Prefiro tudo ao natural, do jeito que tiver que ser. Um pouco amassada, menor que algumas outras, mas suculenta e apetitosa como só a naturalidade consegue ser. Não quero ser cliente do destino porque não sei onde este irá parar. Prefiro ficar aqui, no canto deste mercadinho, distante dos balcões mais procurados, assistindo a tudo de camarote. Dor de barriga, fricote, botox. Sei bem onde isto vai levar. Não sou cliente do destino, sei onde quero chegar e que pra lá, ele não vai me levar.

terça-feira, 10 de maio de 2011

QUANDO CRESCER...

Foto: Victor de Almeida

Quando crescer, serei aquilo que vejo nos outros. Serei muito do que vejo dos meus pais. Observo como eles agem e reagem às circunstâncias. Vejo seus conflitos e como os enfrentam. Conheço o caráter através da honestidade ou desonestidade dos adultos ao meu redor. Eles são minha referência. Serei como o vencedor deste duelo, aquilo que prevalecer, o certo ou o errado, assim serei. Sou criança e me inspiro naquilo que vejo as pessoas que amam fazerem. Se os vejo beber, acredito que é bom. Se bebem e depois dirigem, penso que não é nada demais e assim um dia eu também o farei. Quando convivo com gritarias entre meus pais, percebo que a relação entre homens e mulheres é sempre conflituosa e baseada no tom de voz. Quanto mais alto o grito, mais poder o tenho, penso. Se vejo meu pai murmurando do trabalho ou sendo desonesto no trato comercial, penso que trabalho é levar vantagem em cima dos outros. Quando me presenteiam no lugar de me dar afeto, acredito que os presentes compram o amor e que não é preciso demonstrá-lo. Terei dificuldades em lidar com as pessoas se a intolerância fizer parte da minha infância. Se ouvir palavras de preconceito por toda a minha vida, não saberei conviver com as diferenças raciais e físicas entre as pessoas. Preciso conviver com as diversas classes sociais enquanto criança para que quando adulta, eu possa não apenas conviver como ajudar os mais miseráveis. Se me ensinam a doar brinquedos velhos quando ganho novos, aprendo que acumular é disperdício e que ser feliz é ser capaz de estender ao outro aquilo que ele não é capaz de ter sozinho. Quando crescer, quero ser uma adulta melhor do que muitos que vejo. Mas se vejo muitos adultos ruins, me faltam referências para buscar aquilo que é melhor. Quero ser uma pessoa bacana, alguém capaz de doar amor em gestos e palavras. Fazer o bem àqueles que precisam. Ter confiança em mim mesmo para alcançar os meus objetivos. Ter uma boa auto-estima, porque fui amada enquanto pequena e souberam valorizar aquilo que tive de melhor, me encorajando a aceitar as minhas fraquezas. Sei que posso ser uma adulta mais bacana do que os adultos que vejo, só preciso que alguém já adulto me mostre como sê-lo de uma maneira sincera e honesta. Mas enquanto isto, o tempo passa e estou crescendo. Não dá pra esperar ser melhor quando se tem uma criança por perto. Há de sê-lo hoje e urgente. Tenho medo de amanhã amanhecer uma adulta e não gostar do que vejo no espelho. Ter que enfrentar divãs ou ainda, cometer muitos erros e mágoas com quem não os merecia. Ter medo de fracassos, não tolerar meus limites, ter dificuldades com afeto e não acreditar em mim mesmo e nem nos outros. Quando crescer quero ser alguém diferente, alguém de fato especial. Peço então a sua ajuda, querido adulto.É urgente, é agora. Não pense que sou apenas uma criança quando amanhã serei uma adulta como você. Pegue na minha mão e me ajude a ser como mereço e como o mundo merece e precisa. Dê uma adulta bacana de presente emprestando a mim o seu melhor, suas melhores referências. E tenho certeza, não somente eu, mas o mundo será transformado através do seu gesto.


quinta-feira, 5 de maio de 2011

O GRÃO QUE SOU

Foto: Tadeu Vilani
Sou como estes grãos nas mãos de um lavrador. Pequena, aparentemente tão iguais a todas as outras. Tenho minhas particularidades, eu sei. Um formato diferenciado, curvas a mais e outras a menos. Uma capacidade de germinar diferente das outras. Germino com facilidade quando me adubam com coragem e entusiasmo. Preciso que acreditem em mim. Preciso de solo fértil e de um pouquinho de água e adubo que é pra me ajudar a crescer. Sou como grãos, nas mãos de um lavrador. Tenho minha  particularidades que poderão ser úteis ou não, conforme como ele me usar. Posso me esforçar eu sei, devo fazer a minha parte. Não estou colocando nas mãos do lavrador a responsabilidade de que eu gere frutos, mas apenas entendo a minha pequenez e fragilidade diante da vida e de tudo o que ela me impõe. Tenho uma vontade imensa de germinar. Sair do estado de grão, sem me esquecer dele. Lembrar sempre do grão que fui mas admirar a árvore que sou capaz de ser. Os frutos que eu posso dar são únicos e incomparáveis, capazes de alimentar uma variedade imensa de pessoas e seres por onde quer eu vão. Sou um grão, mas quero ser mais. Tenho vontade de germinar em solo fértil e colocar nele meus frutos e tudo aquilo de melhor que posso ser. O que eu faço pra dar certo é me colocar nas mãos do lavrador mais experiente e capacitado. Aquele que acredita no meu potencial, me semeia com atenção e otimismo e permanece ao meu lado esperando os primeiros brotos, os primeiros frutos. Se caio em mãos erradas, todo o meu potencial não é capaz de acontecer. Mas nas mãos do maior de todos os lavradores sou o que tem de mais rico e belo que posso ser. Todos os dias, dentro deste saco cheio de grãos iguais a mim, me escondo das mãos dos maus lavradores e me coloco nas mãos daquele que melhor sabe plantar. Ouço falar de tudo o que ele tem feito do lado de fora, nas mais diversas plantações. Quero ser como aquelas árvores frondosas que por estas mãos passaram. Me jogo nas mãos do lavrador e, eu e Ele, faremos o melhor que pudermos para que os mais preciosos frutos eu possa dar.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

AMOR NÃO É ISTO

Foto: Roseliane de Pace

Amor não é isto. Amor é outra coisa. Aquela sensação que você tem no peito quando olha para alguém que nunca viu antes e se apaixona por sua história. Amor é emocionar com a vida do outro, tristezas e alegrias. É quando você escuta a vitória de alguém, ou acompanha a vitória de alguém, como se esta vitória fosse sua, realmente sua. Amor é olhar com misericórdia para o outro e não com piedade. É estender as mãos para quem as vezes nem se sabe o nome ou para aquele que você bem o sabe, mas que já te magoou no meio do caminho. Amor é admirar o outro com sinceridade. Amor é o sentimento que inunda a gente, se transborda em lágrimas e faz o nosso coração bater mais forte como se batesse por nós e pelo outro que a gente ama. Amor não é isto que você pensa que é. Amor é outra coisa. Amor é estar ao lado de alguém ainda que fisicamente longe. É celebrar a vida do outro, é compartilhar os momentos felizes ainda que neles não esteja presente. Amor não tem distância e nem hora pra começar. Amor não tem sexo e nem idade. Amor não tem sobrenome e nem residência fixa. A gente ama quem a gente não conhece ou, pelo menos, é capaz de amar. Amar uma criança de rua que é capaz de sorrir para você apesar da fome que dói no estômago. Amar um idoso que humildemente caminha pelas ruas levando suas sacolas. Ou que acompanha o outro na igreja, de mãos dadas, num casal de mais de meia década de união. Somos capazes de amar intensamente, desconhecidos e conhecidos, pessoas e histórias. O amor é um potencial maior que imaginamos, maior que sexo, maior que status social, maior que matrimônio ou qualquer outra a coisa que a gente pense que é amor. Amor não é isto que a gente na maioria das vezes pensa que é. Aliás, passamos muito da nossa vida acreditando ser amor o que era apenas amizade, piedade, ciúme ou insegurança. Amor não. Amor é muito mais que isto. É o que nos leva a acreditar no ser humano. Amor é o que nos motiva a sermos cada vez melhores. É o que nos faz sentirmos amados. É o combustível que a gente precisa pra viver e seguir em frente. Amor é a maior busca do ser humano. Nada, nenhuma outra coisa, é mais forte do que o amor. É ele quem sensibiliza para a fé. É ele quem gera o perdão. É o amor quem nos dá a paciência necessária para compreender o outro e aceitar os limites que o outro tem. Amor é o que nos faz gostar de nós mesmos sem excessos ou vaidades. Amor é isto, não aquilo. E quanto mais eu acho que amo mais eu tenho a capacidade de amar. Amor é inesgotável. Amor é esta coisa que a gente sente no peito, que inunda vida da gente e não tem mais nenhuma outra explicação, senão amar.