Foto: autor desconhecido
As letras invadiam o papel com receio, todas bem pensadas antes de serem escritas. Palavras que tomavam o coração antes de tomarem as linhas pautadas de um caderno ou papel de carta. O sentimento traduzido no contorno das letras, ora tão delicadas e arredondadas, ora tremidas e nervosas. Era possível sentir a respiração com as pausas dos pontos, das vírgulas, da distância entre uma palavra e outra. Os contornos do amor traziam às letras um rebuscado diferente, traços românticos. O nervosismo de uma despedida tomava as letras arrastadas, como se não quisessem ser escritas, tão menos lidas. As manchas nos dedos mindinhos dos canhotos. A pegada na ponta da caneta ou no alto, como quisesse ser. Papéis coloridos, brancos, pautados ou não. As letras que tendiam para a direita, outras pra esquerda. Letras que escalavam e outras que desciam a serra. Temperamentos, sentimentos que eram traduzidos em detalhes simples e ao mesmo tempo tão reveladores. O envelope que embrulhava as histórias, as emoções, revela os mistérios. Lacrado com cuidado para que ninguém mais pudesse ler ou que não se perdesse no caminho. O caminho das palavras eram mais longos que as ditas atrás dos lábios ao pé do ouvido mas nem sempre menos emocionantes que estas. A imaginação que tomava conta da gente, imaginando o rosto de quem iria nos ler. O medo da má interpretação, a ansiedade das respostas. A cola, o selo, o papel, a caneta, a gente mesmo. Impossível não ser nós mesmos com tanta intimidade. A carta era a tradução da gente e ao mesmo tempo uma lapidação de nós mesmos. Enquanto escrevemos pensamos, refletimos sobre quem somos e sentimos. Nos tornamos melhores ao tentar contornar a letra com mais cuidado. Nos tornamos mais próximos quando nos permitimos revelar pelas curvas da caneta no papel. Somos também melhores quando aprendemos a esperar pelas respostas e cuidar daquelas que que damos aos que nos esperam. Ah, as palavras e as cartas. A expectativa, a surpresa ao abrir a caixinha de carta e encontrar os papéis com tudo aquilo que esperamos receber ou não. O abrir do papel, os óculos que uns ou outros têm que colocar nos olhos para melhor apreciar a leitura. As letras rabiscadas que temos que traduzir enquanto aprendemos a traduzir o outro e tudo aquilo que tem a nos dizer. As cartas melhoram os relacionamentos, encurtam distâncias, demonstram carinho. Talvez por isto as relações estejam hoje tão mais superficiais, tão menos reveladoras e verdadeiras. Quem dera o email fosse realmente a evolução de uma carta, mas não é. Involuímos com eles, pra dentro da gente mesmo e tão distante daqueles que queríamos mais perto.
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