quinta-feira, 20 de maio de 2010

Miopia


Foto: Isabela Daguer
Completamente míope. Uma miopia que não pode ser detectada por nenhum oftalmologista. Não aparece nos exames clínicos mas se revela no cotidiano. Não usava óculos, também, não lhe era necessário. Os óculos não a fariam enxergar aquilo que não conseguia ver, por um tipo de cegueira que não impedia de ver os outros, apenas a si mesma. Se olhava diariamente no espelho. Vezes mais motivada, passava um batom rosa choque e saia satisfeita. Nos dias mais tristes, lavava o rosto e no máximo passava um rímel pra disfarçar os olhos caídos que o desânimo lhe dava. Olhava-se, mas não se enxergava de fato. Sentia-se bonita em alguns dias, mas não tanto. Também não se achava a pior das criaturas, mas tão pouco especial entre elas. Era como as outras pessoas que circulavam por aí, nas ruas de uma cidade grande ou pequena, tanto faz. Uma beleza comum, numa vida comum. Por não ter a capacidade de enxergar quem era, permitia-se ser aquilo que os outros desejavam que fosse. Não era feliz deste jeito, mas era a forma com que fazia-se um pouco mais interessante aos olhos de quem convivia com ela. Namorava, mas não quem gostaria de namorar. Namorava quem a havia escolhido e, por isto, abria mão de si mesma e de seus sonhos, pra arrastar uma imagem falsa de amor que lhe fazia sentir mais amada que estar só. Não sabia conviver apenas consigo mesmo, por isto, não se permitia solteira. Era uma farsa pra si mesma, uma pessoa que desconhecia ser. Mesmo com medo, muito medo, do que iria descobrir sobre si mesma, decidiu se ver numa lente de aumento. Talvez, ela lhe revelasse o que era por dentro, por detrás dos poros abertos resultados de uma adolescência com espinhas. E embora desviasse o olhar, tentasse fugir, a imagem que lhe foi refletida era de alguém muito melhor do que podia imaginar, com uma coragem suficiente pra virar o jogo e ser alguém que talvez na infância tivesse ensaiado ser.

Nenhum comentário:

Postar um comentário