segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

CONFLITOS DE BONECA

Foto: autor desconhecido

Me guardo no armário do quarto da minha mãe. Prefiro ficar ali quietinha, escondida pra ninguém me achar. Gosto do colo que ela me dá, quando pára todas as outras brincadeiras que tem e lembra de me buscar. Me tira, acaricia os cabelos e cuida de mim. Ali, naquele quarto, me sinto protegida e amada embora as vezes abandonada e incompreendida. Sou uma boneca ou, pelo menos, gostaria de ser. Ficar quietinha no meu canto com a única responsabilidade de fazer feliz e sorrir aqueles que me encontram. Não, não sou uma boneca triste. Não é tristeza o que eu sinto. Sou alegre. Mas é que as vezes fico com muito medo, medo de ser largada de lado, medo das outras prioridades da minha mãe e que então eu enfim, tenha que crescer. É que chega uma hora que as bonecas perdem o sentido de ser e precisam crescer também, assim como as pessoas. É preciso abandonar os armários, sair das caixas e tomar outros rumos, outros ares, outras pessoas. Assumir quem é e seguir seu curso. Mas eu, que me acostumei tanto a ficar aqui, acomodadinha, sem ter nenhuma grande responsabilidade, tenho medo. Medo de não conseguir, de dar errado, de não dar conta. Ou até mesmo de dar tão certo, de conseguir tanto e deixar de ser boneca pra ser gente. É que sempre achei que gente é meio complicada, atribulada, cheio de tarefas e afazeres. Bonecas não, precisam apenas ser amadas e pronto. Minha vida de boneca é mais sem graça, eu sei, mas é menos arriscada e eu nunca gostei de correr riscos. Passei a maior parte da minha vida na caixa, guardada. Não, não tive dificuldades a não ser o meu conflito interno entre ser boneca ou gente, o que me perseguiu o tempo todo. Mas antes, não tinha a obrigação de crescer. Não tinha chegado a hora e o temor, quando vinha, eu deixava pra lá, pra depois e ia tocando em frente. Agora não. Chegou a hora. No armário já não me cabe mais, não que eu tenha sido expulsa, mas eu mesma não me encontro ali. Sempre tive vontade de ver como as coisas acontecem aqui do lado de fora e agora, agora que aqui estou, fico assustada e feliz ao mesmo tempo. Liberdade é coisa estranha pra quem a experimenta pela primeira vez. É gostoso, libertador, mas também amedronta, inquieta. Não quero voltar para o armário, mas não sei pra onde vou. Quer dizer, eu sei, mas é que as vezes acho que meus cabelos são de lã, meu corpo de espuma e que sou mais frágil do que realmente sou. Não me prepararam para viver a liberdade e agora, agora tenho que aprender sozinha. Crescer não é fácil, posso te dizer. Mas não vou recuar dos meus sonhos de ir cada vez mais além. Vai doer, eu sei. Vai machucar, to sentindo. Sei que vou cair, mas que posso me levantar. E sei que por dentro desta boneca de lã, corpo de espuma e sorriso doce no rosto, existe uma mulher forte, preparada e cheia de histórias de gente pra viver. Gente com tudo aquilo que toda gente tem, mas muito mais feliz do que eu possa imaginar.

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