domingo, 7 de março de 2010

Frente e verso

Foto: Marco Niemi

Tenho dois lados como o frente e verso. Meu avesso e meu direito, embora eu use sempre mais o esquerdo que é pra ser canhota. Ser destra é lugar comum, gosto de ser diferente. Não que me exija diferenciar das pessoas, mas única como sou, acabo por não ser igual a mais ninguém. Não sou igual nem a mim mesma. Tenho meu avesso, que é avesso ou direito dos outros. Sou atrevida por impôr minhas vontades. Fico nervosa com a falta de respeito dos outros. Exijo respeito às minhas crenças e meus valores. São valiosas pra mim as minhas percepções. Gosto do meu avesso, corajoso. Que sai correndo debaixo de chuva, que dá gargalhada no meio da rua, que grita conceitos e é contra pré-conceitos. Engajado, determinado e valente. Meu verso assusta a frente daquilo que sou. Chega impositivo e coloca banca pra calmaria que aparenta em mim. Revira o jogo, derruba os copos, quebra os cristais. Não se importa com nada que seja superficial. A superficialidade das coisas lhe é indiferente. Prefiro o meu verso. Estes que escrevo agora, que me revelam e me despem como uma prostituta que não tem mais nada a perder. Este verso que é avesso a minha vontade de calar, de evitar verdades tão jogadas na cara das pessoas que não se preparam para conhecê-las. Acredito no verso e reverso da vida. Ela é muito mais o que se esconde por trás das aparências do que aquilo que parece ser. Sou aquilo que está por dentro das minhas roupas e etiquetas. Elas não dizem nada sobre mim. Não me conhecem, nem determinam. Não me cantam e nem sussurram. Muito menos gritam ao meu respeito. Sou o que está do lado de dentro, nas costuras mal feitas, nas linhas soltas e nos botões de reserva que se escondem no bolso do casaco. A frente é simplesmente a vitrine. Ela é um convite, mas não dá os preços. Não há preço que pague quem eu sou, embora conviver comigo também tenha lá os seus preços. Diversão, raiva, saudade, alegria, muito riso e bom humor. Uns rompantes que é pra quebrar o gelo. Um gelo que não tem graça se não vai embora, como a neve que só é boa por ser inusitada e rara. Sou única porque sou frente e verso. Me revezo entre os dois lados que é pra não cansar os olhos, nem o corpo. Que é pra ser eu mesma, até o fim.

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