segunda-feira, 1 de março de 2010

Infância molhada

Foto: Henrique Raminhos
Fazia tempo que não chovia. Minhas lembranças da última chuva foram queimadas pelo calor que ardia o meu corpo. Mal conseguia respirar nos últimos meses. Branco, tornei-me moreno. Pintaram de cinza e preto os meus sonhos de voltar a brincar na água da enxurrada, de jogar pelada com o campo empoçado e morrer de rir do capote que os colegas levavam. As roupas sujas de barro faziam falta pra mim e meu irmão. Menos pra minha mãe, que agradecia as roupas suadas que eram melhores que as marrons de lama. Mas ela, eu sabia, sofria também com a alta temperatura aqui do norte. Sei porque a via cansada, respiração ofegante e lenta. Sei porque a via com a mão no peito por ter subido a ladeira aqui de casa. Eu também passava os dias vestido de bermuda e sem camisa. Meu corpo era coberto pela poeira que o calor soprava quente no meu rosto. A sede é coisa que apertava por aqui. Mas não dava pra matar a sede com a água, porque não era suficiente pra beber. Ou fazia comida ou bebia a água. Melhor não beber que é pra ter como cozinhar no dia seguinte, minha mãe dizia. E todas as noites, ia dormir pedindo a Deus que trouxesse a chuva aqui pra casa. Sei do barranco que podia ceder, das lágrimas que podia causar, mas eu queria mesmo era uma tarde de chuva pra matar a saudade que eu sinto da infância molhada. Meus sonhos estão secos, quebradiços e empoeirados. Deus, com quem eu falo todas as noites, prometeu a chuva que vai regar o meu mundo, meus sonhos e nosso futuro. E hoje, vou dormir em paz, porque sei que a seca que está ali fora já está sendo regada aqui dentro de mim, antes mesmo da chuva cair.

2 comentários:

  1. Ô, Pai, graças a Deus que veio a chuva!

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  2. Obrigado por ter seleccionado uma foto da minha autoria. Parabéns pelo blog!

    Cumprimentos, Henrique Raminhos

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