Melhor é a anestesia. Não sofrer, não saber, nada ver. A ausência de sentidos que evita o envolvimento com tudo aquilo que é externo, que foge ao nosso controle. Anestesiados, distantes da dor que nos arranca a paz, que nos tira o sono, que desatina a alma. A dor nos arranca dos nossos desejos, porque enquanto dói tudo o mais parece não ter a menor importância. Não saber é uma forma de evitar o conhecimento do indesejável. Não ver, faz calar a dor que sente o coração. Não sofrer é negar a ligação com o outro, assumir uma força que na realidade somos incapazes de ter. Paralisados, inertes a tudo aquilo que deveria nos fazer mover, sentimo-nos mais seguros pra caminhar pelo caos da vida, tão cheia de improvisos e imprevistos com os quais acabamos tropeçando. Anestesiados, o tropeço perde a força, a queda não nos causa dor, as traições parecem imperceptíveis e os amores ficam pra depois. Assim, acredita-se, sofrem menos os seres humanos, tão frágeis e vulneráveis neste jogo da vida que só tem fim quando acaba. E se não acaba, melhor é estarmos anestesiados diante da violência, da corrupção, dos erros, das traições, das dores e de tudo o que nos leva ao sofrimento, este sentimento tão desconfortável. Não se envolver é a melhor maneira que encontram para se afastar do conhecimento do desagradável. Estamos mal acostumados com o desejo de uma vida ilusória, tão cheia de satisfações às nossas vontades, de mimos que não vivemos mas insistimos em ter. O que foge a esta vida de conto de fadas é negado através da paralisia de nossas ações, este efeito narcotizando que nos inibe dos gestos. Sofro demais, alguém me disse. É um sofrimento de quem lhe poupou o direito a anestesia nos momentos que foi preciso sofrer. Não me privo do direito a sensibilidade. Sou movida ao toque, ao gosto de sentir a vida ao meu redor, pelo meu corpo ainda que vez ou outra isto tenha que se manifestar doído. Prefiro a dor que a delícia de passar pelo fogo sem sentir o calor que este nos causa na pele, porque não sentindo o calor que antecede a queimadura, corro o risco de tornar meu corpo inteiro em chamas e perder a vida pelo simples desejo de me tornar insensível. Prefiro viver a vida por inteiro, passar pelo sofrimento da maneira que ele vier. Caminhar pela vida, por entre as pedras, misturar meus sentimentos aos dos outros, não me acovardar diante dos riscos de uma vida por inteiro. Sofro, talvez até um pouco demais. Mas sofro porque não me permito evitar o toque da vida. Sofro porque a vida me toca, isto me significa e só assim a vida me faz sentido.
Há 7 anos
"Não saber é uma forma de evitar o conhecimento do indesejável"... Profundo!
ResponderExcluirParabéns, Pollyana!
Você voltou em grande estilo. Sua inteligência estava fazendo falta.
Sucesso!
Obrigada Agostinho!
ResponderExcluirQue bom receber sua visita de volta...melhor ainda é estar de volta! Venha sempre.
Pollyana, minha amiga... quase duas da madrugada, eu finalmente tive tempo de ler o CremDeusPai como gosto... e arrepiaram todos os pelos do corpo.
ResponderExcluir"Prefiro viver a vida por inteiro, passar pelo sofrimento da maneira que ele vier. Caminhar pela vida, por entre as pedras, misturar meus sentimentos aos dos outros, não me acovardar diante dos riscos de uma vida por inteiro. Sofro, talvez até um pouco demais. Mas sofro porque não me permito evitar o toque da vida. Sofro porque a vida me toca, isto me significa e só assim a vida me faz sentido."
Essas coisas me fazem pensar que a gente foi muito próximo em outras vidas. Porque passa o tempo, o nosso contato ainda está sem-vergonhamente mínimo, mas você continua parecendo que falou comigo ontem. Parece, com o perdão da pretensão, que escreve pra mim.
É o que eu posso falar agora.
Muito obrigado pela sua sensibilidade e sua criatividade. Amo você, minha amiga, sucesso nesta nova fase do blog.
P.S.: E publica esse livro!
Humbert, amigo!
ResponderExcluirNova fase da vida, meu caro. Águas novas, redenção...assim que deve ser.
Obrigada pelo carinho de sempre.
Volte, todos os dias, comente, critique, isto me mantém viva.
Beijos